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domingo, 24 de julho de 2022

Evoluir inclui eliminar

Existem pessoas que nascem com alguns componentes de defesa com falhas. Como se o Kit de Sobrevivência Psicológico estivesse faltando itens.
Essas pessoas, que levam vários nomes ao longo da vida, tem dificuldade de aprender certas habilidades sociais para o convívio violento em que muitos de nós, principalmente quem nasce nos subúrbios brasileiros, somos obrigados a pertencer. Isso nos define. Muda tudo o que poderíamos ser e é crucial para todas as decisões que iremos tomar na vida. Naturalmente e geneticamente menos reativas do que os outros. Não nos defendemos e não possuímos impulsos violentos nem fisicamente e nem psicologicamente. Éramos sempre mais ingênuos do que as outras crianças. Não nascemos para a agressividade. Não nos adaptamos ao padrão comum do egocentrismo. Não tiramos vantagens de ninguém. 

Essa era eu, aos 11 anos de idade e provavelmente nos anos antes também e nos outros que viriam na fatídica adolescência. Honestamente eu não lembro direito, aliás, eu não quero lembrar. Aprendi a esquecer muitas coisas e isso me proporciona viver melhor.
Citei essa idade, dos 11,  porque foi a última festa de aniversário que minha mãe fez pra mim. Ela tinha ótimas intenções mas eu odiava aquilo. Não é a toa que a única foto que estou sorrindo na festa é justamente a que eu estou com a minha mãe, para os outros só sobrava meu olhar vago e distante.
Fiquei aliviada quando não tive mais festinhas, apesar de o motivo provavelmente ser financeiro. 
Mas criança não liga pra isso. Criança é um ser que além de anarquista, é prático. A criança quer que o incômodo pare, não importa como, tem que acabar com a dor, seja no choro ou no grito. 

As crianças dos 90' são frutos de uma geração cheia de traumas, cheias de limitações.
Ao contrário da atual geração, onde tudo é consumo e descarte, éramos incentivamos a acumular coisas (títulos, cargos, carro, casa, filhos, amigos, tralhas, roupas). As crianças dos anos 90 foram massacradas com todas as limitações e privações dos seus pais. Suprimimos a nossa criança interior para crescer logo, ser alguém logo, ter independência logo. Acumular um status e um monte de coisas para os nossos pais sentirem que fizeram um bom trabalho, que criaram filhos fortes e preparados pra hostilidade do mundo.

E como toda criança, a nossa criança interior, sufocada por nós mesmo, e condicionada a se esconder, sumir e se calar quer acabar com a dor de não ser livre e lesiona nosso corpo e a nossa mente avisando que está sentindo dor, alertando um colapso que mais cedo ou mais tarde pode agarrar o nosso pé. 

É um fato inquestionável que o nosso corpo 'fala'. Ele, a todo instante, no alerta que não estamos bem, que falta um sono de qualidade, que a alimentação está ruim, que não temos bons amigos, que precisamos sair dessas telas que prendem a gente, que ao invés de olhar bichinhos brincando no instagram, deveríamos brincar com os nossos. Eu tenho refletido muito sobre como gasto meu tempo e como ele parece cada vez mais curto e tedioso. Enchendo minha cabeça com coisas sem qualidade enquanto empurro esses problemas que eu trouxe desde dos primórdios das minha relações afetivas comigo.

Apesar de me sentir mais equilibrada emocionalmente, qualquer deslize traz a tona culpas que eu carrego e não resolvo. Coloco tudo em uma mochila bonita e espero o próximo momento que vou deixar essa essa mochila aberta e todas essas coisas vão cair e eu terei que juntar. (Olhos revirando)

Estou nesse momento de reflexão, pois foi meu aniversário recentemente. Aliás, foi meu aniversário há alguns dias atrás, mas quem me acompanha aqui sabe bem que demoro semanas para concluir um texto. 
Terminei recentemente um livro sobre uma jovem que, para cada trauma da vida, criou um alter ego. Esses alteres matavam por ela quando ela estava em um momento de risco. Eram seus heróis. Ela mesma salvava a si mesma. Gosto desse conceito. A palavra alter ego significa "substituto perfeito". 
Acredito que de uma forma ou de outra todos nós temos esses alteres dentro de nós. E quando nosso corpo fala é como se fosse o nosso substituto nos protegendo da ameaça que vem vindo ou nos incentivando a viver a vida que podemos estar perdendo. 





















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